sexta-feira, 5 de março de 2010

Para não esquecer.

"Toda pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.
Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas". Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

( Paulo Mendes Campos, Para Maria da Graça, in Para gostar de ler, crônicas, São Paulo, Ática, 1979, v.4, p.73-76.)

5 comentários:

Poeta Mauro Rocha disse...

Tudo deve ser medido...

Tenha uma ótima semana.

Mary disse...

E não temos que procurar o alçapão no fundo do poço, mas a luz que vem de cima sempre.

Beijos meus, Clarice.

João Romova disse...

"A dor também tem o seu feitiço"

Isso foi de uma riqueza que vale para a vida toda!

bjos mil para quem me olha da janela

Jaya Magalhães disse...

Isso teria sido escrito para mim, uns meses atrás. O bom é que vi a fronteira.

Obrigada por me fazer conhecer esse texto, Clarice.

Beijo.

Clarice disse...

Poeta, concordo, mas a medida das coisas é tão subjetivo as vezes.

Mary, o bom é que sempre há luz ... sempre, querida!

João, saudade de tê-lo por aqui. A crônica toda é de uma riqueza impressionante, vale reler sempre.

Jaya, esse texto é maravilhoso, vale conhecer, vale ler e reler sempre ... ainda bem que você viu a fronteira, nos dias que estou triste me lembro dessa parte e a tristeza fica muito menos triste.
beijos