sábado, 27 de setembro de 2008

Posologia

Forma de administração
- Três gotas, duas vezes ao dia
no exato momento em que abrir os olhos
e no exato momento em que fechá-los
A exatidão, nesse caso, é muito importante e
garante a eficácia do tratamento

Em Casos Graves
- Beba-me em pequenos goles,
lentos, sorvendo até a última gota
e no escuro espere.

Condutas na superdosagem
- Cautela, altas doses podem provocar dependência

Sintomas mais comuns
- Arrepios, calafrios e finalmente, suspiros.

Recomendações
Em caso de superdosagem apague as luzes e sonhe.
Às vezes 3 horas de sonhos leves resolvem.
Em casos agudos permaneça 12 horas perdendo-se e achando-me ... nos lençóis.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Entre contradições

Ela era muito contraditória, queria ser coerente, mas só conseguia ser condescendente. Ela continha em si opostos, lua e sol a habitavam. Ela podia ser garoa que se transforma em tempestade, com direito a inundações. Era brisa e vendaval. Era terna e passional. Era noite estrelada e manhã ensolarada. Às vezes acordava nublada e assim permanecia por vários dias, dias sem fim. Não gostava de ser sombra, mas sabia que quanto maior a luz, maior a sombra, aturava sua sombra. Tinha segredos, mistérios, mas sabia revelá-los, sabia, sobretudo, revelar-se.

domingo, 21 de setembro de 2008

e no tempo da delicadeza ...

Ao abrir os olhos ela já percebeu. A luz não a inundou, ela pediu licença e lentamente iluminou. O ar parecia uma carícia, brisa mansa, suave feito bruma. As pessoas pareciam felizes, ela lembra de ter pensando nisso enquanto caminhava, as pessoas sorriam e diziam bom dia. E o dia ouvia e por gostar do que ouvia foi aos poucos se transformando. E todos os sons ouvidos eram música e todas as notícias eram boas, e o tempo não corria, andava e sorria. Naquele dia, os deveres eram fáceis, os chefes bons, os prazos razoáveis. Ninguém brigou, ninguém faltou, ninguém se foi.
Ela sabia que o tempo da delicadeza estava só começando.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Como num sonho ...

O ar não entrava, ela precisava sair. Já não respirava, sabia que bastavam poucos passos, a porta estava logo ali, ela podia ver luz, mas ela não conseguia. Poucos passos, talvez três bem largos, mas ela não saia do lugar. Sentia-se ancorada, não havia dor, nem pesar, nem lágrimas, havia só a resignação. E essa crescia e respirava com ela o pouco ar que restava. Lembrou-se do Sonho de Akira, sentiu-se no sonho. Não havia a neve, havia a descoberta tardia de estar perto e ainda assim não chegar. Nunca pôde dizer por quanto tempo ficou ali, estática, perdida, sem ar. Poderia ter sido 1 minuto ou uma vida. Tanto fazia.
A luz que ela via pela fresta da porta falhou, havia um vulto e ele caminhava, passos largos em sua direção. A luz quase se foi no exato momento em que a porta se abriu. Ar fresco. Respirou. Os olhos demoraram um pouco para acostumar com a luz, era uma luz leve de fim de dia.
Ela foi ... salva.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Um bilhete ao acaso.

Ela sabia, ela sentia. O Bilhete estava sendo lido naquele exato momento. Os mesmo olhos que fitavam as palavras, podiam quase vê-la. Os dedos que deslizavam pelo papel podiam quase tocá-la. Sua alma estava em cada uma daquelas palavras e também estava ali no seu corpo que desfalecia.
Ele não sentia, mas quase podia vê-la e não entendia. Quem era aquela que ele quase via nas entrelinhas das palavras? Ele achou um bilhete dentro do livro. Era um bilhete escrito a mão, letra bonita, papel amarelado, sépia. Não tinha data, só um nome, a quem foi endereçado. Na assinatura duas letras e ponto. Mas ao ler o bilhete ele viu um rosto que parecia vê-lo também. No verso do bilhete tinha o nome de outro livro. Ele voltaria no mesmo sebo para procurar o livro e sabia, sem entender porquê, ele sabia que no livro indicado encontraria outro bilhete.

domingo, 14 de setembro de 2008

Fênix ou um presente.

Não quero ser com você nada além do que já sou. Não precisamos mudar nada disso já que mantemos a nossa sinceridade da forma mais sagrada que se pode ter: com as palavras. Não me sinto aprisionada por ela. Ela é libertadora. Quem aprisiona é a pessoa do RG, ela que acha que isso e aquilo. Parece esquizofrenia essa troca de identidades, e deve ser mesmo... É engraçado, quando comecei a escrever para você eu achei que poderia ser o que quisesse, poderia dar a ela a forma, a cor, o gosto, o temperamento, as manias, os vícios que eu bem entendesse, pois ela era minha personagem. Eu poderia fazer com que ela fosse qualquer coisa, poderia ser atriz, astronauta ou dentista, poderia ser louca, ninfomaníaca, cleptomaníaca ou claustrofóbica, poderia ser o que me desse na cabeça. Mas sabe a ironia de tudo isso?? Sabe que gosto, que cor, que forma dei a ela? A minha!!!
Adorei ser abstrata, por que isso é libertador! Não precisar de forma é maravilhoso. Deve ser como as almas se sentem quando morrem. Então de certa forma, morri, e como a fênix renasço das cinzas, meu doce cavalheiro.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A mesma foto, outra história ...

Creio que o homem caminhava com pressa, estava atrasado. Não tinha para onde ir, mas estava atrasado. Estava atrasado por que as pessoas são atrasadas, precisam estar atrasadas para que sejam pessoas de bem, pessoas sérias precisam correr atrás de mais tempo para correr atrás.
O homem não tinha mais tempo para correr atrás do tempo. Corria. Loucamente corria. Uma hora chegaria a tempo em algum lugar. Mas não chegou. E cansou de andar, cansou de viver correndo. No fim de tudo, encontrou somente em uma ruela, um gato doente que lhe olhava curioso e a si mesmo. E isso lhe bastou.

(contribuição de um grande amigo, poeta e fotógrafo)

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Do Baú II

O homem caminhava pensativo pelas ruas da cidade, já não tinha tanta certeza. Às vezes era assim mesmo, acordava com toda a certeza do mundo e de repente sentia aquela sensação ... será que tem sentido? Será que tudo isso - um dia - vai fazer sentido? A certeza já não era tão certa, já era quase uma incerteza, quase uma dor, dor de não saber.
No meio desses pensamentos o gato sorriu.
Ele sorria porque tinha a resposta? Ou porque a resposta não existia?
O homem não resistiu, e na esquina, próximo ao beco dos gatos, rendeu-se a sabedoria do felino.

(foto Cartier Bresson)

P.S. uma brincadeira que achei ao visitar palavras antigas.

Do Baú

Queria um dia escrever

Amor da minha vida,
(simplesmente assim)
Me guarde
Aguarde
Por mim.

sábado, 6 de setembro de 2008

A poesia por ai

tem gente que carece de poesia,
enquanto para outras,
transborda.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Regiões de Solidão

Ela gostou tanto quando ele se referiu a ela como sua região de solidão. Ela que tinha em si, em sua essência, regiões inabitadas. Gostava de ser assim, gostava da imensidão, do penhasco, da queda livre, não conseguia imaginar-se finita e gostava dessa sua porção sem fim. Ela era sua própria região de solidão, de solitude e era maravilhoso conter-se dessa forma, ilimitada. Ela foi criada para não pertencer, para não ser só, mas para ser mil, mil em uma, uma em mil. Ela que gostava do sentir, das sensações, dos sentidos, do tato, do cheiro, do gosto. Sentia tudo com exagero, um segundo de sentir poderia ficar para todo o sempre. Por causa das suas palavras era eterna em um segundo. Não era literal, nunca era, nunca é só isso. Era metáfora, metonímia, hipérbole, adorava figuras da linguagem, era todos, sem nunca ser nenhuma. Era a essência do que escrevia, e isso era libertador. As palavras podiam tudo, até calar-se, enquanto a levavam. Só tinha medo de um dia não voltar. Mas, se esse dia chegar ...

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Como é?

Como é me ter ao alcance das mãos e não me tocar?
Como é me achar e não me encontrar?
Como é me ver e não me enxergar?
Como é não me ouvir e escutar minha voz a chamar?
Como é me ler e não me desvendar?
Como é conhecer o símbolo e não gostar?
Como é tentar e não me decifrar?
Como é sentir o que eu sinto e não se afogar?
Como é sentir meu gosto e não me devorar?

Regiões de solidão

Ela gostou tanto quando ele se referiu a ela como sua região de solidão. Ela que tinha em si, em toda sua essência, regiões inabitadas. Gostava de ser assim, gostava da imensidão, do penhasco, da queda livre, não conseguia imaginar-se finita e gostava dessa sua porção sem fim. Ela era sua própria região de solidão, de solitude e era maravilhoso conter-se dessa forma, ilimitada. Ela foi criada para não pertencer, para não ser só, mas para ser mil, mil em uma, uma em mil. Ela que gostava do sentir, das sensações, dos sentidos, do tato, do cheiro, do gosto. Sentia tudo com exagero, um segundo de sentir poderia ficar para todo o sempre. Por causa das suas palavras era eterna em um segundo. Não era literal, nunca era, nunca é só isso. Era metáfora, metonímia, onomatopeia, hipérbole, adorava figuras da linguagem, pois era todos elas, sem nunca ser nenhuma. Era a essência do que escrevia, e isso era libertador. As palavras podiam tudo, até calar-se, enquanto a levavam. Só tinha medo de um dia não voltar. Mas se esse dia chegar ...

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Bem vindo!

Ela queria achar as palavras certas, foi buscá-las lá fora. Não as encontrou. Olhou para dentro, não eram palavras, mas estava ali a resposta. O que não se traduz em palavras serve para testar o sentir. Ela sentia. O sentimento parecia conhecido, mas ela constatou encantada que era novo.
- Seja bem vindo!

Dúvidas

Dizem por ai que só se dá valor depois que perdemos. Eu estive pensando: para outras basta que voltem para percebermos como era bom.

Ninguém é 100% bom, nem os mocinhos dos Contos de Fadas. Ou eles são?

Promessas são feitas para não cumprir. Mas algumas pessoas ainda teimam em cumpri-la. Ou não?

Não-fazer é a mesma coisa do que não-sentir?

Isso está confuso demais hoje ...
vou respirar lá fora...

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Arquétipos

Era uma vez uma menina má que se apaixonou por um menino bom.
Era uma vez um menino bom que se apaixonou por uma menina má.
O menino bom só por maldade avisou:
- Ou ficas boa ou vou embora.
A menina má, cheia de bondade disse:
- Pode ir, prefiro que vá a ter que carregar o fardo de me ter transformado.
- Pode ir, prefiro que vá a deixar-te carregar a culpa pelas transgressões.

Menino bom foi, mas volta sempre para (l) vê-la.
Menina má queria ele ficasse um dia.

Raiva

Eu senti raiva. Passei alguns dias com muita raiva. Eu não sou uma pessoa de raiva, tento cultivar sempre bons sentimentos, e nunca sinto raiva por mais de cinco minutos. Achava que desse jeito era certo. Há algum tempo fui em um médico que pratica medicina chinesa, depois de conversarmos por algum tempo ele pegou no meu pulso, olhou a minha língua e antes de começar a equilibrar meu chin com acupuntura me disse que eu tinha excesso de energia do fígado, órgão também relacionado com raiva. A verdade é que até aquele momento eu nunca tinha pensado que não sentia raiva, ou melhor sentia, mas sempre dava um jeito de minimizá-la. Grande erro. Entendi que a raiva é boa, move, mobiliza, traz o sangue para as veias, deixa a gente mais passional, e isso tudo quando usado para o bem, constrói. Desde de então tenho tentado sentir raiva. Mas nunca antes tinha passado tanto dias em contato com ela. Senti raiva de tanta gente, senti raiva de tanta coisa. Confesso que ainda não consigo lidar com ela de forma construtiva, mas pelo menos já consigo conviver por mais tempo com ela, mesmo que depois me sinta péssima, cansada e triste. A raiva se transformou em tristeza. Não fui valente ... perdi a batalha.