quarta-feira, 23 de julho de 2008

Ponto Final

Dias desses ela saiu por ai a visitar-se. Estranho visitar sentimentos que já não sente mais. Sentimentos seus, que hoje parecem alheios. As palavras têm esse poder, eternizar o momento, o segundo, o exato momento daquele sentir. Mas ela era um ser volátil, sentia intensamente, alma, coração, corpo. E deixava de sentir na mesma proporção, diretamente proporcional. Ao visitar as palavras deixadas aqui ela percebeu que já não sentia. Seu primeiro impulso foi de apagá-las, não deixariam vestígios, iriam dóceis como se nunca tivessem existido. Palavras-flores, efêmeras. Mas achou que não poderia fazê-lo. E se fossem palavras-chaves? Saída. Poderiam abrir algumas portas, mesmo que ela ainda não soubesse que portas eram essas. Quando a chave está pronta a porta aparece, pensou em meio a gargalhadas. Pobre mestre que a tem como aprendiz! Decidiu-se por não mais, em tempo algum, desperdiçar suas palavras. Tudo que havia para ser dito já fora, mesmo que nunca tivesse sido lido, ouvido, compreendido. Às vezes a função da palavra é só e exclusivamente ser dita e ponto final.

sábado, 19 de julho de 2008

águas

Lua cheia, maré alta, água revoltas. Naufrágio.

Era assim que ela se sentia, naufraga em si mesma. Afinal somos 75% água. E ela nesse momento se perdia em suas águas revoltas. Procurava dentro de si um porto seguro. Acreditava que assim como no conto, nela também deveria existir uma ilha desconhecida. Desejava-a. Imaginava-se aportando nesse pedaço de terra. E guiada por estrelas, oráculos, amores, búzios e bússolas lançou-se em suas próprias águas a procurá-la.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

no ar que respiro

"Adoro elaborar teorias mirabolantes para as coisas que não consigo explicar. Sou muito criativa, além de ter acesso a conspirações e informações de outras vidas. Soma-se a isso o ar que respiro quando estou aqui, deve ser um ar diferente. Olho para céu e vejo a mesma lua que você vê. É exatamente a mesma. As coordenadas não mudam, habitamos o mesmo paralelo, a mesma latitude (e nesse momento habito sozinha os meus desejos). Olho para o pôr-do-sol, não tem lugar nenhum no mundo como esse. Esse é o meu céu. O céu que costumávamos compartilhar. Acho que estou nostálgica porque estive em uma praça, naquela que tem coreto. Que por tantas vezes tocamos violão, que por tantas vezes tocamos. Respirei fundo, fechei os olhos, quase consegui sentir o ar fresco daquelas noites especiais, quase consegui ouvir seu violão. Quase me vi lá menina com o mundo inteiro para conquistar. Já conquistamos tanto, já andamos tanto, e o quê falta, afinal? Sinto tanta coisa quando estou aqui. Respiro diferente, porque sei que é o mesmo ar que você também respira. Sei que o tempo, o vento, leva e traz, envio sensações. Espero que consigam chegar até aí. Lua cheia, céu sem fim. Eu me entrego para o vento. Ele me leva até você. Quer?"

Ela terminou de escrever, não sabia se teria coragem de enviar, não suportaria o silêncio, apesar de desejá-lo, o silêncio é sempre mais simples. Tão mais fácil de lidar. Olhou pela janela, viu a lua enorme brilhando, lua em leão. Decidiu que iria esperar, logo a lua estaria em libra e ela poderia decidir-se. Por enquanto dançaria nua para a lua, talvez assim seu desejo se fosse e ela poderia dormir em paz outra vez.

pensando...

Quantos pensamentos cabem em um segundo?
O tempo do pensar é tão diferente do tempo do relógio.
Tic Tac.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Le petit mort

Como explicar tudo aquilo? Um só corpo, um milhão de partículas, cada uma sentindo o que bem entende, como se cada célula resolvesse ser um corpo independente dentro do ser. Ela não sabia mais para que lado ir, era como se ouvisse vozes, gritos, gemidos. Cada célula gozava por si, e a soma de tudo isso era uma grande e quase incontrolável sensação de êxtase. Não o êxtase barato, conseguido à toa, nesse dia-a-dia de sensaçãos frugais. Absoluto e duradouro não eram adjetivos comuns para descrever sensações de prazer. Mesmo o melhor dos orgasmos durava apenas alguns segundos, mesmo que parecessem pequenas eternidades, gostava da expressão francesa le petit mort. Talvez fosse isso. E ela cada vez mais entregue, sua alma fora tocada e sua alma ao ser tocada tocara seu corpo de uma forma nunca antes imaginada. Ela escreveu um dia "se amaram da forma mais profana, só possível aos amores mais sagrados" - gostava daquilo e pressentia em suas palavras o encontro de algo almejado por todos em todos os tempos. Mas será que temos a consciência da grandeza do momento no segundo antes do grande acontecimento? Será que a centelha adormecida ao mirar a transformação desperta e dá o sinal derradeiro de que é preciso seguir? Ela estava entregue, ela, ele. Não eram dois corpos, dois seres, duas entidades separadas. Eram eles, um ser apenas, as células não respeitavam mais o limite da matéria e passeavam entre eles, como se todas as veias, artérias estivessem unidas, um só sangue, um só sentir. Finalmente. Grand finale.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

A Princesa das Girafas

A menina estava feliz. Era domingo de manhã e pela primeira vez iria ao zoológico da cidade. Acordou mais cedo do que de costume, queria ter tempo para se preparar, ela não sabia que aquilo tinha um nome, fez por ter vontade de fazer, quando crescesse talvez se lembrasse do ritual que precedeu o encontro com os animais. Procurou seu vestido mais bonito, aquele todo branco, para contrastar com sua pele morena. Os cabelos já estavam trançados, ela queria enfeitá-los mais e colocou fitas coloridas nas tranças. Parecia uma princesa, suspirou ao olhar-se no espelho. Seus pais até levaram um susto ao vê-la arrumada tão cedo, mas não esconderam a satisfação, afinal, a menina estava crescendo. E pai e mãe, no seu íntimo, pensaram sem dizer, parece um princesa. E lá se fora, pais e menina princesa para a selva dos grandes animais. A menina parecia em transe, quase não falou no trajeto até o zoológico, e era longe, a tal savana. Chegando lá, a menina brilhava de satisfação, parecia realmente coroada. Mas foi perto das Girafas que a menina não se conteve, ela nunca imaginou tamanha beleza. As giradas alheias aos olhos desfilavam majestosas, tanta graça, tanta cor. Não pareciam se importar para aqueles cercados, nem com o espaço limitado em que se encontravam. E na menina reconheceram sua princesa de outros tempos, e para ela, só para ela, piscaram com seus grandes olhos. E a menina soube que no fundo as girafas eram livres e seus corações não estavam ali delimitados, mas na imensidão da Africa. Duas lágrimas escorreram pela face corada da menina enquanto sua mãos pequenas aplaudiam, sob os olhares assustados de todas as pessoas.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

A Cor da cor.

Ela acordou cedo, queria ver a cor do céu no terceiro minuto da aurora. Coisas de poeta, ela pensou. Mas não deixava de ser intrigante. Colocou o despertador para acordá-la, antes verificou naqueles sites de tempo o horário exato do nascer do sol, a precisão era necessária, caso contrário nunca saberia se a cor encontrada era a mesma que o poeta descrevia. Não queria subjetividade, afinal, era assunto de extrema importância. Precisava saber de que cor pintar-se.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Pelos pares da vida.

Eu tive um amigo que sempre falava em encontrar pares, pessoas semelhantes que gostam, falam, sonham, idealizam da mesma forma. Não é necessário que concordem em tudo, caso haja um motivo para discordâncias, a qualidade das discussões é que fazem a diferença, nada melhor do que travar um duelo de idéias com um bom par. Mesmo para discordar é preciso um par. Um par é aquela pessoa que entende o que você fala e o que você cala. Pensa como você e se não pensa acaba fazendo você pensar como ele ou se diverte tentando. Lê os mesmos livros, gosta dos mesmos autores, indica os livros que leu, às vezes até empresta alguns, fala de filmes, flores, filosofia, bossa nova e futebol. Discute existencialismo com o mesmo entusiasmo que defende a preferência pela marca de cerveja na mesa de bar. Um par é diferente de um amigo, pode-se ter excelentes amigos que não são seus pares. Mas todos os pares têm necessariamente que ser amigo. Esse amigo que eu tive, era também um par. De amigos e pares não deveríamos nunca falar no passado, uma pena quando isso acontece, deveria haver uma lei contra perder amigos ... acabar amizades ... deixá-los pelo caminho, defendo o quando se torna, se é para sempre ... "mesmo que o tempo e a distância digam não" ... "por onde for, quero ser seu par."

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Honrada.

- Pronto, eu te devolvo sua vida. Você a está recebendo por merecimento. Honre essa graça.
De cabeça baixa ela estende a mão e a aceita. Sente a vida entrando de novo no seu corpo, sente cada célula do seu corpo vibrar, o coração volta a bater descompassado e aos poucos vai retomando seu ritmo. Ela sente prazer em receber a vida. E a vida por se saber bem-vinda, se instala definitivamente.