sábado, 24 de janeiro de 2009

Vestida de Ouro

Ela achou que não tinha mais o que dizer. Já disse tanto em tantas vezes que resolveu deixar o silêncio fazer a sua parte. Em semana de Fashion Week viu em alguns desfiles muito ouro nos modelitos de inverno (dourado está demode, a cor agora se chama ouro) e achou que ficaria na moda se o adotasse, afinal, dizem que o silêncio é de ouro. E fingindo-se na passarela desfilou trajando silêncio. E não é que a tal roupa é muito confortável. Enfim, na moda.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Inusitado.

Ela gostava do inusitado, tudo que aos outros parecia esquisito, para ela era lindo. Muitas vezes as pessoas não sabiam se ela estava falando sério, julgavam-na brincalhona. Está certo, ela era um pouco esquisita. Adotava uma dieta alternativa que ela mesma tinha inventado, não era totalmente vegetariana, pois acreditava que alguns animais queriam de fato ser comidos e era incapaz de decepcioná-los. Comia verduras, legumes e frutas da estação, tinha um calendário na bolsa. Sempre que estava na fila de um restaurante por quilo, sacava o calendário antes de colocar qualquer legume no prato. - Deus me livre comer de fora da estação dizia enquanto fazia o sinal da cruz. Nunca comprava roupa nova, era contra a indústria da moda, suas roupas foram herdadas e exibia com muito orgulho as saias da avó. Ela tinha sido hippie, autêntica, dizia. Não andava de ônibus, só a pé ou de carro, lógico, porque afinal ela também gostava de conforto. Em casa só assistia desenhos, não gostava de novela, de jornais e de filmes tristes. Mas lia muito, comprar livros era uma compulsão e um grande luxo que se permitia.
Tinha uma linda biblioteca em casa, os livros estavam divididos em ordem alfabética, em outros casos pela nacionalidade do autor, outros pelo tema, mas existia uma prateleira especial, eram Os Intocáveis. Livros tão importantes na sua vida, palavras, personagens, histórias preciosas. Era uma ofensa pedir emprestado.
Fiquei sabendo que no seu testamento ela deixou a prateleira dos Intocáveis para sua neta, como fez a avó hippie. Ela ainda não tinha filhos, muito menos netos, mas sabia que um dia eles chegariam e seu tesouro já tinha destino certo.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Perdão.

Ela ensaiou muitas vezes, voz baixa, voz alta, aos gritos, em pensamento. A frase era simples, muito fácil de repetir. Mas ela sabia que só teria o efeito esperado se fosse dita com o sentimento correto. Mais que expressão corporal ela queria a expressão do sentir. Ela precisava sentir o que iria dizer. Ficou dias se preparando. Finalmente se sentiu pronta, precisava fazer logo.
Postou-se na frente do espelho, espelho de corpo inteiro, corpo presente. Olhou-se, intensamente, olhos nos olhos, e disse:
- Você me perdoa?

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Astro-rei

Clareou. Mas ainda não era dia. Ela gostava do silêncio, desse possível apenas nessas horas que precedem o dia, gostava também do céu da madrugada, era como ver as estrelas se despedindo. Mãos cintilantes. Foi durante essas observações que percebeu que o sol chegava devagar, clareando de mansinho, coisa de astro-rei, que por ser, não precisa ostentar o título. Aprendeu com o sol.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Novo de fato!

Ela queria encontrar as palavras mais frescas possíveis, palavras vindas da aurora. Queria o frescor da madrugada, apenas alguns minutos antes do dia ser anunciado. O ano novo era assim. Mesmo sendo só uma mudança na folhinha, o ar parecia mais leve, a esperança revigorada, a fé renovada. Um ciclo novo. E com o novo, parece que tudo fica mais fácil, pode-se começar de novo, amar de novo, desejar de novo, enfim, pode-se viver de novo. Ela sabia que poderia se reinventar, ir dormir de um jeito e acordar de outro, modelo renovado, versão 2009. Fechar os olhos em 2008 e abrir em 2009, bastava piscar os olhos na hora certa. E foi exatamente o que ela fez. Esperou a meia noite e enquanto os fogos pipocavam no céu ela fechou os olhos e desejou o novo. Ao abri-los viu algo riscando o céu, uma estrela cadente (mesmo que de pólvora), desejou, dessa vez de olhos bem abertos, apreciando o novo que chegava.